De sentinela

 

Qualquer elemento na vertical sobressai num espaço raso. A Ermida de Alcamé, única construção na extensa Lezíria de Vila Franca de Xira, é esse elemento.

Para a alcançarmos, são precisos oito quilómetros numa estrada de terra batida de planície agrícola, uma distância que, por si só, amplia a sua solidão. Esta é uma paisagem reduzida ao mínimo.

Enquanto nos vamos aproximando da ermida, recuamos no tempo, uma boa chave para compreendermos o lugar onde nos encontramos. Até há algumas décadas, o cultivo destes 5000 hectares de terreno ficava a cargo do trabalho árduo de centenas de trabalhadores. Em épocas de muita faina, como a colheita, vinham muitos mais, deslocados da sua terra, à procura de um ganha-pão. Para alimentar espiritualmente esta grande comunidade e agradecer a Deus as colheitas, foi decidida a construção de uma capela em honra da Nossa Senhora de Alcamé (a palavra “alcamé” deriva do árabe “achmé”, que significa trigo).

Sem nenhum ponto de comparação por perto, a ermida, já de si de grandes proporções, ganha em imponência. Não é por acaso. Assim, podia ser avistada a muitos quilómetros por qualquer trabalhador que na sua presença procurasse ânimo e proteção.

Hoje está esvaziada desse propósito, mas permanece de atalaia, na lisura da terra.

Transição

 

Por contraste com a horizontalidade da lezíria, levanta-se o relevo na zona de Vila Franca de Xira. Entre ambas o Tejo. Obrigado a obedecer aos limites dos montes em uma das margens, pôde, na outra, espreguiçar-se terra adentro, como em mais nenhum ponto da sua travessia em solo português. As cheias que outrora aqui provocou foram determinantes para criar zonas alagadiças. Neste processo, a água arrastou matéria orgânica, tornando a lezíria uma das zonas mais férteis do país.

Foi nos pontos de transição deste tipo de paisagem — do fechado da zona urbana para o amplo da lezíria, do seco para o húmido do rio e para os seus deltas, do menos fértil para o fértil — que o ser humano prefere assentar arraiais. Do lado dos montes, a área urbana instalou-se a meia encosta, junto ao rio. Os traçados rodoviários e ferroviários alinharam-se paralelamente ao Tejo, como ao longo de grande parte do seu curso. Do lado oposto, a maior herdade do país (a Companhia das Lezírias) aproveita a extensa planície para produção agrícola.