Sagrado

 

Não há lugares neutros. Basta alguém alinhar duas pedras na terra para essa marca impregnar a paisagem de um significado ou emoção, mesmo que passageiros. Quando, há cerca de 7000 anos, o ser humano começou a erguer megalitos na paisagem para criar lugares de culto, já estava a dar um rosto a esse lugar. Essa marca viria a distinguir espaços profanos de espaços sagrados. Ainda hoje o fazemos.

Na antiga freguesia de Matacães, a Ermida do Senhor do Calvário é esse lugar fora do quotidiano, ao qual a comunidade sobe, duas vezes por ano, num exercício de ascensão, tanto física, quanto espiritual.

A localização dominante do santuário sobre Matacães e o rio Sizandro insinua que quanto mais perto do céu nos encontramos, mais próximo de Deus estaremos. A própria vista panorâmica parece servir de metáfora para a omnipresença divina, porque daqui vê-se (quase) tudo. O Senhor do Calvário não ignorou estes atributos, quando — reza a tradição — se deu a ver neste lugar. Foi, precisamente, devido a esta aparição, que a Casa do Juncal mandou construir esta ermida, em meados do século XVII.

A Procissão do Senhor do Calvário, que os habitantes devotos perpetuam anualmente, acrescenta o tal significado à vida coletiva e individual. Este lugar é o retrato dessa vivência espiritual. Muitas paisagens o são, sejam as razões religiosas, pagãs ou afetivas (aqui sem qualquer ordem de importância). O que nos faz lembrar que todos temos os nossos lugares sagrados. Quais são os seus?

O corpo que se molda à paisagem

 

Tudo começa na rocha, no cimo de um penhasco.  Os penedos são tão altos como a capela e apenas autorizam escassos metros quadrados de construção. Nada que impossibilitasse dar corpo ao pequeno santuário, que chega a convidar uma rocha para a parede das traseiras. No miradouro, a rocha continua a delimitar a forma. Discreto, desponta um calvário com três crucifixos de pedra, emerge um assento escavado na rocha que, ainda por datar, se considera poder ser o trono de um culto pagão.

Esta adaptação do ser humano ao elemento mais sólido e perene da paisagem lembra que conseguimos modificá-la sem a ferir. Este espírito estende-se à escadaria, construída em pedra nua, e ao adro do cruzeiro, que permanece em terra batida. Em sentinela, a povoar  o largo, perduram velhos e majestosos eucaliptos.