Passagem

 

Às 8h3o ainda está tudo calmo, mas a postos estão já perto de 30 autocarros alinhados em espinha, uma fila de táxis, uma fila improvisada de tuc-tucs e uma vintena de operadores e guias turísticos que  combinam os últimos pormenores. Falta pouco para que um rio de passageiros desça de mais um cruzeiro e encha o parque de estacionamento do terminal. Há os que já têm um tour e o respetivo meio de transporte marcado. Há os que optam por deambular a pé. Todos seguem Lisboa adentro.

A recente explosão deste tipo de turismo fez com que milhares de passageiros (a capacidade dos cruzeiros que atracam em Lisboa vai de 1000 a 4500 pessoas) desembarquem quase diariamente na cidade, contribuindo para uma alteração brusca do espaço.

Quando há muitos turistas na paisagem eles próprios passam a fazer parte dela, marcando-a como elemento preponderante. O efeito secundário desta presença em massa é o risco de não encontrarem as características que, afinal, procuram no lugar. Tudo depende do ponto de equilíbrio que se conseguirá encontrar entre crescimento turístico e identidade do lugar, um assunto há muito em discussão (e que deu origem ao conceito de turismo sustentável).

Levantam-se várias questões. O quanto é a paisagem um recurso, o quanto é um lugar de apreciação e de vivência local própria? Nas paisagens turísticas, os lugares adaptam-se aos turistas oferecendo serviços e produtos que são uma mais valia para a economia local, ajudando a criar emprego, melhorar as infraestruturas e preservar o património. Mas demasiada adaptação pode resvalar em descaracterização. Como garantir a dinâmica da vida e cultura locais para os seus habitantes e ao mesmo tempo os atributos turísticos da paisagem, mantendo-a habitável e visitável?

Quanto é o encontro entre os turistas e os habitantes uma troca (intercultural e económica) satisfatória? Afinal, ambos têm expectativas. O escasso tempo que o turista de cruzeiro passa em Lisboa – em média apenas oito horas – é suficiente para essa troca? Importa o que o turista escolhe fazer? É diferente fazer um tour de autocarro pela cidade ou passar umas horas numa esplanada a provar comida local e a conversar com residentes. São experiências do lugar distintas, com impactos distintos na paisagem. É possível promover aquelas que melhor ajudam a cidade a desenvolver-se.

Escala

 

No rio Tejo, as dimensões de um navio cruzeiro desafiam a escala. Atracado junto ao Terminal dos Cruzeiros, um navio ergue-se como um muro gigante e só a meia encosta da zona ribeirinha começa a ser possível avistar a outra margem. Os quase 1500 metros de cais parecem ser curtos ou longos, conforme seja ou não dia de cruzeiro, o mesmo acontecendo com as medidas igualmente generosas do edifício do terminal.

A própria silhueta da zona ribeirinha, nos diversos planos que o suave relevo nos dá a apreciar, não consegue acomodar o volume destes navios (um dos maiores que aqui atracou tinha 315 metros de comprimento, 40 de largura e o equivalente a 19 andares), dando a ideia de que a encosta de Alfama é uma micro-paisagem.

É uma cidade flutuante que chega à cidade. A salvo desta distorção de medidas ficará provavelmente o rio, que aqui, com um estuário de xx km, tem amplitude e condições de navegabilidade para enquadrar estes navios gigantes.

Os números que o Terminal dos Cruzeiros viabiliza também impressionam e remetem para outro tipo de escala: as escalas, literalmente, que pode receber, estimadas numa média de uma por dia, os 80 autocarros que ali podem estacionar e a capacidade de receber 800 mil passageiros por ano.

Resta perceber se a paisagem tem uma capacidade equivalente para os receber.