Sobreposição

 

Para experimentar esta paisagem não basta vê-la da janela de um carro a partir da IC19. É preciso entrar pelos portões e caminhar pelo bosque adentro. Não que a Matinha de Queluz se destaque por ter um arvoredo raro ou outra característica notável. Sem lhe retirar o prazer de uma frescura densa no Verão e o potencial de ainda vir a tornar-se um belo parque, este é sobretudo um lugar para ficar atento ao exercício dos nossos sentidos e colocar perguntas.

Somos atraídos a subir a alameda central empedrada, com sobreiros, azinheiras e carvalhos de grande porte, num desenho típico dos bosques plantados no século XVIII. Os ramos superiores das árvores, frente a frente, em busca da luz, encontram-se e oferecem uma tenda verde.

A experiência sensorial ensina que onde há floresta, há o som do movimento das hastes e das folhas e — com sol — o desenho de sombras decalcado no chão. Há também os sons de aves e insetos e os que produzimos com os nossos pés e com o nosso corpo. Nada a que chamemos ruído e que impeça a experiência do silêncio que, não o sendo, vem da sensação de sossego que a natureza nos devolve.

Mas aqui, a dada altura, percebemos que não existe essa equivalência. O que vemos não é traduzido por aquilo que ouvimos. Como se os sentidos não dialogassem.

A paisagem sonora original foi tomada de assalto pelo ruído intenso e contínuo do trânsito do IC19. Não há nenhum recanto do bosque, mesmo caminhando até à ponta oposta à via rápida, que fique a salvo desta poluição sonora.

Sobressai um desconforto. Conforme os ânimos, irritação. Não é fácil permanecer nesta paisagem dissonante, talvez porque a expectativa com que se vem para este lugar nunca consegue ser inteiramente concretizada.

Pressa

 

A Matinha de Queluz era uma tapada de caça  do Palácio de Queluz, à qual se chegava através de um passadiço que atravessava o rio Jamor. Este braço verde de 20 hectares foi amputado pelo IC 19, quando esta grande via foi construída nos anos 90, do século passado. Sobrepôs-se a circulação do trânsito a alta velocidade  à circulação no espaço de um monumento nacional.  Empobreceu-se o palácio e isolou-se o seu bosque. Nem um passadiço para garantir a travessia. Algo que, passados mais de 30 anos, pode agora vir a ser corrigido com o projeto Eixo Verde e Azul dos municípios da Amadora, Oeiras e Sintra e a Parques de Sintra – Monte da Lua.

Temos pressa e, por termos pressa, favorecemos a velocidade. É uma marca da sociedade atual a obsessão de fazer, saber ou chegar rapidamente. Somos a única espécie para a qual não há tempo a perder. Para não  perdermos tempo, não estaremos a perder outra coisa?

A velocidade associada a este imediatismo comanda muitas das decisões que afetam negativamente a paisagem, como é o caso aqui na Matinha de Queluz. Da sua pertença ao palácio resta um elemento insólito. Preservado, de frente para a via rápida, mantém-se o que teria sido a entrada para a tapada: um pedaço de muro antigo com um portão fechado a cadeado.