Fornos de Carvão de Santana do Mato
Paisagem do olfato
Quando percorremos a Estrada Nacional 114 e abrandamos, o cheiro a lenha é nítido e contrasta com o clima ameno, de inícios de outubro. É sinal de que devemos preparar os sentidos para o que se segue.
Passando a aldeia de Santana do Mato, em direção a Lavre, no lado direito, reparamos em sólidas estruturas, construídas em barro e tijolo, que, dispostas sob forma de lotes alinhados, se encontram paralelas à via. Das misteriosas construções em forma de cubo e cúpula, são libertadas densas colunas de fumo branco, que sobressaem do arvoredo de fundo. Tratam-se de fornos artesanais, preparados para a produção de carvão vegetal.
Depois de cortados, os troncos das árvores plantadas na região, são ali cremados em combustão lenta, ao longo de uma semana. A cozedura é vigiada, noite e dia, de três em três horas, por veladores da aldeia, que se vão revezando. O procedimento parece simples e linear, mas o papel dos sentidos, tão crucial, revela o contrário, uma vez que é graças ao olfato que se adivinha em que estágio de combustão se encontra a lenha.
A pouco e pouco, tapam-se os rombos por onde o ar exterior circula para diminuir a proporção do oxigénio, de modo a enfraquecer a combustão. Segue-se uma semana de arrefecimento. O processo ainda não terminou. É necessário tatear a parede exterior do forno, para verificar em que fase de arrefecimento se encontra o montículo de carvão, prestes a ser empacotado e distribuído pelos supermercados, país fora.
Seria fácil aferir que são necessárias duas semanas para obter o carvão resultante de uma fornada, no entanto, não falamos de um período de tempo exacto. Este tempo é antes impreciso, pois depende da sensibilidade e da experiência de cada velador.
Para que o ciclo se feche, o carvão tem de ser consumido nas chamas de um grelhador, numa casa próxima. Para a confecção de grelhados, segundo dizem, o carvão preferido varia entre o de sobro e o de azinho. "É um carvão duradouro e que não altera o sabor dos alimentos". As árvores à terra tornam, sob forma e aparência diferentes.
Gradiente
À medida que deslizamos pelas estradas brandas do município de Coruche, registamos uma notória e suave transição entre unidades de paisagem distintas: da lezíria ribatejana, desenhada pelo curso do rio Sorraia, pelo arrozal, pelo milharal e pelas pastagens, aos primórdios de uma planície alentejana e a sua gradual transformação de floresta. A horizontalidade dos campos irrigados da lezíria distingue--se do recorte inconstante das copas das variadas árvores que integram a floresta de planície, como se de um gradiente formal e cromático se tratasse. Estamos perante o melhor de dois mundos.
Segundo alguns habitantes da aldeia de Santana do Mato, antigamente, ali produzia-se carvão vegetal a partir da madeira do sobro, azinho ou oliveira, pois estas eram as árvores que a terra oferecia. Hoje, quando percorremos as estradas do município que atravessam as matas, encontramos também o eucalipto e o pinheiro bravo com frequência. “Já se faz carvão de tudo”, dizem.
Já não existe apenas montado. Esta malha de sobreiros e azinheiras, criada e mantida pelo homem, privilegia a criação de gado, o pastoreio e a extração de múltiplas matérias primas, de notório valor comercial. Mel de flores, laticínios, azeite, bolota, rolhas de cortiça, aglomerado para pavimentos, utensílios para o lar e peças de vestuário são alguns dos inúmeros produtos que provêm do montado e que estimulam a manutenção deste tipo de paisagem, tão rico e diverso. A economia associada a este tipo de floresta e o seu incalculável valor ambiental traduzem a necessidade de valorizar e preservar este ecossistema tão singular.