Portas de Almourão
Antes de nós
Estima-se que a idade do planeta Terra seja de 4.550 milhões de anos. As primeiras formas de vida apareceram há cerca de 4.000 milhões de anos e os primeiros vertebrados terrestres há 380 milhões de anos. Os primeiros hominídeos terão surgido há 2 milhões de anos, o homo sapiens há cerca de 300.000 anos e as suas primeiras construções em pedra erguidas há menos de 10.000 anos. Muito aconteceu antes de nós.
A Geologia dá-nos conta de um ritmo terrestre e de uma escala de tempo que vai muito além da nossa existência. Na verdade, o tempo que passou desde o início da Era Industrial até hoje quase não tem expressão no tempo geológico. Se fosse possível fazer um filme com a história da Terra, em que a cada fotograma correspondesse um ano terrestre, esse filme teria seis anos de duração (24 fotogramas por segundo) e a idade contemporâneo (de 1789 até à actualidade) corresponderia aos últimos 10 segundos.
Ainda assim, seria um filme lento para observar o tempo geológico. Teríamos de o acelerar mais umas 100 ou 1000 vezes para as rochas ficarem com um movimento percetível. A dada altura, o filme atingiria tal velocidade que a Geologia ganharia um comportamento líquido, com ondulações, redemoinhos e elevações.
A crista quartzítica da Serra das Talhadas, que se cruza com o rio Ocreza nas Portas do Almourão, corresponde a uma dessas ondulações, resultado da atuação de forças tectónicas com alterações químicas e erosão que ocorrem desde há 250 milhões de anos. Esta faixa quartzítica estende-se ao longo de, aproximadamente, 20 quilómetros, numa diagonal de Noroeste para Sudeste, entre Alvito da Beira e São Simão, passando por Vila Velha de Ródão. Percorrendo a sua cumeeira, podemos constatar que o rio Ocreza não enfrentou este gigante sozinho e que outras portas se abriram neste corpo de xisto e quartzito. Perto de Alvaiade, a ribeira do Cerejal abriu a Portela da Milhariça, hoje utilizada para a passagem da autoestrada A23 (perto do km 96), e, mais a Sul, as águas do Tejo abriram as monumentais Portas de Ródão. Escavadas durante os últimos dois milhões de anos, estas portas são o resultado de um processo contínuo de erosão, que originam paisagens que vêm de um tempo muito anterior ao nosso.
Receita
Fazer uma crista quartzítica como esta não é nada complicado. Se tiver algum tempo disponível experimente esta receita:
Pegue em sedimentos e argila e deposite-os no fundo de um oceano durante 200 milhões de anos. As camadas devem ser finas e sobrepostas lentamente, criando pressão até se formar uma rocha sedimentar. Depois, com a temperatura do interior da Terra, aqueça-a, sem nunca a deixar chegar ao ponto de fusão. Simultaneamente, através de um movimento tectónico, vá fazendo pressão horizontal durante 150 milhões de anos, de modo a transformar os sedimentos em rochas metamórficas e a erguê-las do fundo marinho até ao cimo das serras da crosta terrestre ou litosfera.
Deixe repousar durante mais 150 milhões de anos para que se complete a alteração química e a erosão necessárias para deixar a descoberto a crista quartzítica entre o xisto. Vá revestindo a serra com um coberto vegetal, variando as espécies consoante o clima.
Pode optar pelo zimbro, nas zonas mais elevadas e secas e pela rosa albardeira nos locais mais abrigados e húmidos. Se tiver tempo, poderá ainda cruzar uma linha de água durante 2 milhões de anos, criando um belo efeito de cascata até abrir um desfiladeiro.
Por fim, pode decorar com alguma ocupação humana, com pomares de oliveiras em socalcos, estradas e povoados ao longo da encosta.