O mundo depois de nós

 

Todo o cenário parece idílico. Vislumbra-se a figura de um palácio de frontal neo-clássico e as silhuetas de árvores, debruçadas sobre as águas dos canais que ali se encontram. Por se encontrar assente sobre um extenso braço de terra, o edifício leva-nos a crer que nos encontramos no extremo de uma península.

A única sinalética alusiva ao lugar consiste numa tabuleta de interesse municipal, em cor terracota, cuja extremidade aponta, de forma indecisa, para uma estrada em terra batida. Nela, apenas encontramos escrito ‘Palácio’.

A partir do momento em que deixamos a estrada nacional, o trajeto não é longo. Mas por ser pouco linear, cria a sensação de que nos afastámos da civilização há mais tempo do que aquele que objetivamente passou. O tempo torna-se ilusório.

A estrada que nos leva ao edifício é ladeada por imponentes choupos brancos e eucaliptos. Avista-se um número par de troncos de palmeiras cortados, alinhados e dispostos em duas linhas simétricas, evocando a majestosa alameda, que celebrava a chegada de quem vinha visitar o Palácio das Obras Novas. A sua construção teve início entre os finais do século XVIII e o início do século XIX e terá servido até ao princípio do século XX, como posto alfandegário que controlava a chegada de pessoas e mercadorias e como estalagem de apoio a uma carreira fluvial, que ligava Lisboa a Constância.

Por encontrarmos o palácio ainda de pé, a expectativa é a de ainda poder observar alguma monumentalidade no seu interior. Porém, está vazio e despojado. As janelas simétricas das fachadas laterais não apresentam caixilho. Como molduras, oferecem-nos o enquadra - mento da vegetação que testemunha o outro lado do edifício.

Caminhando em torno do palácio, apercebemo-nos de como as árvores e um enredo de arbustos tomaram conta do seu interior. As heras, as silvas e os ramos das altas figueiras brotam, furiosas, para o exterior do edifício, como se, em rebelião, reclamassem a terra que as fez nascer.

Esta vida interior espontânea acontece indiferente aos visitantes pontuais, que ali chegam no final do dia, ou, aos fins de semana, para pescar, fotografar e zarpar.

Quando o homem abandona, a natureza toma conta, afirma a sua auto-suficiência e recorda-nos de que dela, somos efémeros hóspedes e que há um mundo depois de nós.

Atalho

 

A Vala Real da Azambuja integra uma rede de canais dedicados à irrigação dos campos de cultivo localizados entre Santarém e a Azambuja. Mandada construir sob a ordem do Marquês de Pombal, servia também para a deslocação de pessoas e para o transporte de mercadorias por barco, desde Santarém até ao Palácio das Obras Novas. A vala, paralela ao rio Tejo, navegável por uma extensão de, aproximadamente, dezassete quilómetros, funcionava como uma espécie de atalho pois encurtava o tempo de deslocação de acesso a este lugar.

Observa-se, ainda, um cais principal, que se encontra fragmentado em dois blocos de pedra calcária, e outros dois cais, de menor dimensão, por onde, possivelmente, chegariam os homens e as mulheres que trabalhavam no palácio, provenientes de localidades próximas.

Note-se que, o acesso ao palácio poderia ser feito de três diferentes formas: através do rio Tejo, vindo de Lisboa ou Constância, pela Vala Real, vindo de Santarém ou Azambuja, ou por terra.

Do palácio e da vala já detemos alguns dados. Mas, se ambos constituem obras contemporâneas, terá sido a vala a fazer erguer o palácio ou terá sido o palácio a fazer abrir a vala?