Abrandamento

 

O desenho serpenteante da estrada adianta-nos um pouco da morfologia das serras circundantes. A caminho, podemos parar no miradouro das Fragas de São Simão e observar a sequência de serras paralelas que se desvanessem no horizonte amplo.

Apesar do alcance visual sobre as redondezas, toda a paisagem parece convergir numa garganta de xisto, recôndita, que apresenta expressão suficiente para centrar enquadramento.

À medida que nos aproximamos, os sentidos vão-se moldando à proporção do lugar.

Já descemos ao vale e estamos junto à ribeira de Alge. A vegetação densa e a envergadura dos penhascos prometem uma sombra permanente. Loureiros, amieiros, sobreiros e alguns eucaliptos debruçam-se sobre o leito. O reflexo dos troncos vergados sobre as águas límpidas oferece uma paisagem duplicada e imersiva. Os pigmentos claros e as texturas delicadas, criadas pela galeria ripícola, transportam-nos para o interior de um quadro de pintura romântica.

Avançamos por um trilho de terra até chegarmos a uma ponte convexa com guardas de metal e piso de madeira. Daqui vê-se de perto o estreitamento das fragas. Caminhando sobre as amplas pedras, que ligam o penhasco à margem da ribeira, aproximamo-nos do imponente desfiladeiro quartzítico. Cada camada de rocha recorda-nos os anos nela guardados.

Desejamos permanecer junto da ribeira, sobre uma laje que nos oferece colo e conforto, junto ao ventre da escarpa. Ali, existimos abrigados pelas angulosas paredes de quartzito, recortadas pelo céu e amarelecidas pelos líquenes que acusam a pureza do ar que por ali corre.

Os nossos sentidos abrandam e a nossa pulsação também, pela capacidade que a paisagem tem de suspender o tempo.

Estereótipo

 

Quando visitamos este lugar, é provável que o consideremos uma bonita paisagem. Mas o que a torna aprazível?

Será esta paisagem mais ‘bonita’ comparativamente a um parque urbano ou a um montado alentejano? Consideramos esta paisagem bela porque sentimos uma emoção estética ao experienciá-la ou porque a associamos a um pressuposto de paisagem idílica?

A nossa conceção de estética é geralmente condicionada por um ideal de referência que traz décadas de construção social e cultural. Em cada época, vingaram determinadas correntes artísticas, cujas tendências geraram imagens de referência que moldaram o imaginário visual (e sensorial) das sociedades de forma incontornável. Veja-se o exemplo da pintura europeia, comummente associada à representação da paisagem: da paisagem serrana e alpina da Europa central que está presente desde a pintura renascentista italiana à pintura romântica francesa. É só escolher a época.