Paisagem binária

 

Diariamente milhões de pessoas acedem a um mundo digital. O código binário dos nossos dispositivos circula na rede global à velocidade da luz e transporta consigo uma quantidade exorbitante de informação. Onde vivem esses dados? Este novo mundo que nos chega pelo ecrã existe também na paisagem? Claro que sim, se a paisagem “resulta da ação e da interação de fatores naturais e/ou humanos" (2000, Convenção Europeia da Paisagem), tudo o que fazemos terá implicação na paisagem.

Começando pelo mais simples. Todo o mundo digital vive e circula numa estrutura física real: computadores, telemóveis, servidores, cabos de rede, etc. Estrutura essa que tem de ser construída e tem um tempo de vida, ou seja, um pouco por todo o mundo, há explorações de minério (cobre, alumínio, vidro, etc.), poços de petróleo (para plástico e outras fibras sintéticas), fábricas, lojas, centros de reciclagem e lixeiras resultantes de todos esses objetos. Há também toda a energia necessária para o seu funcionamento: barragens, parques eólicos, centrais a carvão, diesel e fotovoltaicas. Algures pelo planeta, há uma paisagem que se transforma para dar corpo a este mundo virtual.

Simultaneamente, vamos alterando o modo como vivemos, nos organizamos e interagimos. Há cada vez mais serviços digitais, o que implica um maior número de pessoas sentadas em frente a um computador, mais edifícios de escritórios e a criação de centros de dados (data centers). A paisagem urbana transforma-se e nascem novos modelos de cidade. O comércio de rua é agora também virtual, a leitura de um jornal ou o encontro com um amigo pode acontecer num ecrã. A paisagem transforma-se e, a par dela, altera-se também o modo como lemos o mundo. Podemos viajar através do Google Street View, podemos aceder a milhares de imagens e filmes de quase todos os lugares, associados a comentários, numero de partilhas e likes. A nossa percepção altera-se, alterando também a nossa leitura da paisagem.

Há ainda uma outra paisagem binária, a dos videojogos e da realidade virtual. Uma paisagem imaginada, hiper-real e instantânea, que compete com o mundo natural. Gradualmente, vivemos cada vez mais numa paisagem de dados que nos afasta do real.

Ao aceder ao Museu da Paisagem está a entrar no Data Center da Covilhã, um estranho cubo enquadrado pela Serra da Estrela. Aproveite a viagem e siga um dos trilhos da serra. Fora deste cubo há uma paisagem infinita por conhecer.