Saúde

 

Na Serra da Pena, freguesia de Sortelha, as ruínas imponentes de um hotel termal transportam-nos para duas décadas de dedicação extremosa a tratar males com águas medicinais. Corriam em três nascentes e as suas virtudes tinham sido descobertas nos anos vinte do século XX.

Tal como em tantos outros lugares, também aqui essa promessa de cura e descanso estava apenas ao alcance do círculo restrito dos mais abastados e o luxo do Hotel Serra da Pena (ou Hotel Termal Águas Radium, como também era chamado) assim o prova. Erguido em pedra granítica, o edifício exibia um perfil acastelado, de onde sobressaía uma torre majestosa de vários andares, da qual sobra apenas a frente. Este é o primeiro elemento que se avista, quando se sobe o caminho de terra batida que leva às termas. Os diversos volumes de edifício, igualmente arruinados, confirmam a escala da estância termal e, apesar da degradação, ainda retêm a aura de requinte, visível na qualidade da madeira do soalho ou nos pormenores decorativos que restam nos tetos.

O hotel dispunha de 90 quartos, com capacidade para 150 pessoas, e infraestruturas dedicadas às diversas utilizações da água, tais como banhos, aplicação de lamas ou compressas elétricas. A rotina diária básica incluía, igualmente, a ingestão de um litro da água termal. As instalações foram construídas na encosta da serra, com vista para os montes e arvoredo em volta, completando o conceito de uma paisagem que vende saúde.

Havia planos para serem acrescentados um complexo de chalets e outras valências que permitiriam receber mais pacientes, muitos deles vindos de fora, contribuindo, assim, para o desenvolvimento económico de toda a região. Até que se provou que, em vez de dar saúde, a água das nascentes estava a condenar cada um dos pacientes que a ela se entregara. A substância contida na água, e que na altura foi enaltecida pelos mais conceituados cientistas como curativa, era a radioatividade. A razão que deu origem ao hotel termal foi, ironicamente, a mesma razão que o condenou.

Saber que esta paisagem é fruto de um tremendo erro científico, com consequências nefastas para os que ali acudiam, altera radicalmente a impressão que temos dela. As ruínas ganham uma dimensão funesta, em sintonia com o envenenamento inconsciente que se praticava todos dias, metodicamente, no seu interior. Cada recanto que se visita esconde um certo sentimento lúgubre, por sabermos que nem os melhores médicos que na altura pisavam aquele chão limpo adivinhavam a verdade.

Rádio

 

As Termas Radium são o resultado do melhor e do pior que a ciência de então estava a produzir.

Marie Curie e Pierre Curie tinham conseguido isolar quimicamente o rádio do mineral pechblenda, do qual o urânio é o elemento primário, o que lhes valeu, em conjunto com o cientista Henri Becquerel, o Prémio Nobel em 1903. As aplicações das substâncias radioativas pareciam muitas, inclusive na medicina. É certo que o rádio veio ajudar no desenvolvimento da radiologia e na criação de tratamentos por radiação para o cancro (ainda hoje aplicados), porém, na altura, o fascínio por este elemento fê-lo ganhar estatuto de panaceia contra uma variedade de doenças, que iam desde problemas de pele, úlceras e artrites a cancros.

Quando as medições da radioatividade nas nascentes entre Caria e Belmonte revelaram que a água era das mais radioativas do mundo, logo, supostamente com maior poder curativo, decidiu-se engarrafá-la e vendê-la com o nome Água Radium, para assim fazer chegar esta dádiva da natureza a quem não pudesse tratar-se nas termas.

Ironicamente, por causa da Segunda Guerra Mundial, acelerou-se a investigação em torno da energia atómica e as suspeitas do perigo nefasto da radioatividade, que já circulavam no meio, foram definitivamente confirmadas.

Quando as termas fecharam, em 1945, procurou-se dar outro destino ao Hotel Serra da Pena. Ainda funcionou até ao início dos anos 50, mas, desde aí, o complexo foi passando de mão em mão sem se concretizar um rumo novo, provavelmente por lhe estar associado um desfecho tão fatídico.