Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire
Realidade aumentada
Atravessando uma zona ladeada por um denso carrasco rasteiro, avista-se uma íngreme laje calcária que limita o alcance visual. A partir do fio de gume que põe fim a uma antiga pedreira, a aclamada Pedreira do Galinha, estende-se todo um mato baixo, de oliveiras e azinheiras que compõem a paisagem do Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros.
Chegando de manhã ao parque, a luz rasante fará/faz parecer que a superfície calcária ainda se encontra lamacenta e que animais robustos acabaram de por ali passar, deixando o seu rasto.
Agora é a nossa vez de caminhar sobre uma ampla área pontilhada pelo decalque de pegadas de dinossáurios que habitaram esta paisagem há cerca de 175 milhões de anos.
O meticuloso carreiro das pegadas (organizadas em, pelo menos, vinte trilhos) transformou este lugar, que era antes uma mina de pedra, num repositório de registos documentais que permite reconstituir um passado em andamento. Só com base nos moldes foi possível concluir que a distância desde o solo à anca do dinossáurio era de 3,8 metros, que a medida da sua passada era de três metros e que a velocidade média estimada a que se deslocava era de quatro quilómetros por hora.
É notável que uma simples figura cavada numa superfície calcária permita que, a partir dela, visualizemos a fisionomia de um animal de grande porte, como se se tratasse de uma projeção de realidade aumentada. Cabe agora à nossa imaginação reconstruir a deambulação destes imponentes seres.
Bolbo
Experienciar este lugar é como caminhar em analepse sobre um friso geológico, rumo ao início da vida na Terra. Da mesma forma que é possível pensar no globo terrestre como um bolbo que, com o tempo, vai for - mando cascas concêntricas e que, em cada estrato, estão cunhadas pistas contemporâneas, de igual forma podemos subtrair as suas camadas para dissecar o passado.
As cavidades criadas pela presença dos dinossáurios dão-nos a conhecer aspetos da constituição da paisagem muito antes da presença humana. A localização dos seus trilhos não nos fornece apenas vestígios sobre a fauna jurássica, como também nos revela aspetos sobre o clima, a vegetação predominante e características da morfologia do território.
Sabemos que nesta paisagem foram cravadas provas de existência contemporâneas à era do jurássico e que a crosta terrestre, ainda Pangeia, se estava a despedaçar para formar os cinco continentes como hoje os conhecemos. Nessa época, o clima era tropical e existiam extensos mares de pouca profundidade. A terra era fértil, revestida por densas florestas e a vida selvagem era abundante.
A terra que hoje pisamos deixou-se moldar pelas passadas de enormes saurópodes, porque, na altura, tratava-se de uma zona litoral e lamacenta, que criava uma laguna com dois metros de profundidade. Aos sedimentos marcados que secavam no verão, sobrepunham-se novos, na sequência do avanço das águas marinhas. O processo repetiu-se sucessivamente e, com o tempo, os sedimentos anteriores endureceram até formar camadas rochosas. Resistentes às intempéries, estas camadas calcárias protegeram os moldes das pegadas, segundo uma sequência de estratos: sobre a camada inferior foram decalcadas as chamadas sub-impressões das passadas dos saurópodes, imprimindo contramoldes no estrato rochoso superior.
Se hoje podemos contemplar o conjunto das Serras de Aire e Candeeiros foi graças à ação de forças próprias do interior da terra que acidentaram as camadas acumuladas na superfície originalmente plana, contribuindo, assim, para a formação do atual maciço calcário estremenho. Por contraste, a bacia hidrográfica do Tejo afundou, assumindo a forma de vale.