Marca

 

Quando há cerca de 7.000 anos o ser humano ergueu o primeiro menir, criou-se uma nova relação com a paisagem. A transformação humana da paisagem deixou de ser apenas o resultado de um uso quotidiano, da necessidade de abrigo ou alimentação para passar a ser também uma vontade, uma intenção de criar uma marca. Com o menir iniciámos o nosso caminho de desenhadores e construtores de paisagens.

O esforço associado à construção de um menir pode ser hoje comparado ao da edificação dos grandes arranha-céus. Desde o Neolítico, que procuramos superar os limites impostos pela Física, fazendo evoluir o conhecimento e a tecnologia para erguermos construções cada vez mais altas. Esta antiga necessidade de marcar a paisagem, como culto e afirmação de poder, que parece fazer parte da condição humana, fez com que se erguessem ao longo dos séculos impressionantes edifícios que imortalizaram os seus criadores.

Serão estas marcas uma simples reação à nossa condição finita? Haverá em cada indivíduo uma vontade de deixar a sua assinatura? E, sendo a paisagem o resultado de uma construção coletiva, qual será o limite para essa expressão individual?

Quando atravessamos a EN233, entre Castelo Branco e Escalos de Cima, somos surpreendidos por uma recente marca na paisagem, que nos transporta para os tempos do Neolítico e nos assalta com todas estas questões. Um impressionante conjunto megalítico, constituído por largas dezenas de pedras graníticas, está a ser construído ao estilo dos antigos cromeleques. Um dos blocos exibe uma placa onde se lê: Pedras Instáveis. Ficamos na dúvida se estamos perante um aviso ou o título de uma obra artística. Segundo apurámos, a enigmática obra não terá fim recreativo ou comercial, do tipo parque temático, será simplesmente resultado da vontade de um homem que decidiu deixar aqui a sua marca.

Autoria

 

Salvo raras exceções, a paisagem resulta de um processo coletivo, em grande medida baseado numa experiência empírica acumulada ao longo do tempo, não se podendo por isso, na maior parte dos casos, associar uma autoria.

Contudo, essa transformação dependerá sempre de uma série de decisões individuais, desde as mais simples, como a da escolha do local onde plantar uma árvore ou construir uma casa, às mais complexas, definidoras do ordenamento de um território, como o trajeto de uma estrada ou de um caminho de ferro. Assim, num exercício de construção da história de uma paisagem, será sempre possível nomear alguns dos seus autores ou, pelo menos, identificar os elementos cuja construção implicou uma decisão individual.

Nesta arqueologia da paisagem, a maioria das decisões identificadas será de carácter técnico e funcional, reduzindo-se assim o sentido de autoria, uma vez que o resultado final pouco se alteraria se mudassem os intervenientes.

Porém, à semelhança das obras eruditas de desenho de parques e jardins, há também casos de interessantes expressões individuais inscritas na paisagem.

As mais curiosas não serão, no entanto, as que estão devidamente documentadas e que se revestiam de teor político, como a decisão de construção do Aqueduto das Águas Livres e seus fontanários, por D. João V, obra com uma grande componente cénica e de afirmação de poder, na qual algumas soluções revelam uma opulência desnecessária face à tecnologia hidráulica existente na época.

Será nas inscrições de expressão popular que se encontra de forma mais genuína a ideia de autoria, como acontece na letra desenhada com carvalhos numa das encostas da Serra da Lousã. Durante o Plano de Povoamento Florestal, realizado pelos Serviços do Estado Novo, entre os anos 30 e os anos 70 do século XX, uma parte significativa dos carvalhais da Serra da Lousã foi substituída por pinheiros bravos. Um dos homens que trabalhava no plantio resolveu assinar a sua obra e, deixando por cortar alguns dos carvalhos, escreveu na paisagem a letra “F”.