Pedreira da Cabeça Gorda
Ventre
Subimos o corpo arredondado e limado da Serra dos Candeeiros. A sua origem calcária, que a tornou suscetível à erosão, poupou-a de arestas e escarpas. No cume de quase 700 metros, os ventos generosos domesticam a vegetação e alimentam dezenas de aerogeradores. Avista-se grande parte da Estremadura e, em dias claros, a oeste, o mar.
As Serras de Aire e Candeeiros fazem parte do mais importante maciço calcário em Portugal, o maciço calcário estremenho, e os maiores segredos estão guardados no seu interior. Um deles, o produto minério, não passou despercebido e é desde há décadas extraído das entranhas desta vasta barriga serrana. A pedreira Cabeça Gorda é uma das maiores a operar na Serra dos Candeeiros e daqui se retiram sobretudo carbonato de cálcio e magnésio que são incorporados em pastas de dentes, rações para animais, medicamentos antiácidos e muitos outros produtos diários da civilização contemporânea. A extração chega às 3000 toneladas diárias e o buraco que daí resulta tem uma dimensão tal que são precisos pontos de referência para compreender a sua escala. Encontramo-la numa escavadora a operar no patamar mais profundo, que nos parece mais pequena do que uma figurinha saída de um ovo de chocolate.
Ao mesmo tempo que esta transformação massiva na paisagem é perturbadora, é também sinónimo da segurança e comodidade básica que os recursos daqui retirados nos ajudam a alcançar. Por mais difícil que seja assumir a cumplicidade, esta pedreira significa 30 anos da do modo de vida da nossa sociedade. E este é certamente um dos dilemas que enfrentamos.
Escultora
A par dos calcários, dolomitas, mármores e sienitos, as principais matérias-primas escavadas nas Serras de Aire e Candeeiros, escondem-se outros segredos geológicos. Aqui reside o mais importante repositório de formações calcárias em Portugal, facto que levou a que 39.ooo dos 90.000 hectares do maciço fossem declarados Parque Natural em 1979, uma medida que trouxe regras mais claras a este território partilhado com a indústria extrativa.
Ao longo dos 200 milhões de anos de formação do maciço calcário, o papel principal nesta obra de arquiteto natural coube à água. Infiltrando-se na rocha macia, num processo erosivo que junta tempo e persistência, foi esculpindo um conjunto impressionante de grutas (mais de 1500), algares, lapiás, dolinas e poljes. Nas grutas, em particular, sobressaem esculturas de elaborados rendilhados ou de formação cónica como as estalagmites e estalactites.
Que a água domina este relevo não é a dedução mais evidente, porque prevalece uma flora adaptada à secura, com muito mato de carrascal, zambujeiros e azinheiras. Desengane-se, pois, quem a procurar à superfície, porque não a vai encontrar. A água circula e traça o seu caminho nos bastidores, chegando à encosta sul através de uma intrincada rede hidrográfica subterrânea. A sua obra prossegue. Basta um pingo de cada vez.