Desencaminhar

 

O caminho de terra batida que atravessa o Circuito Megalítico de Coureleiros abre-se na paisagem austera do Alto Alentejo. Dominam terrenos entremeados por penedos e lajes graníticas à flor da terra, que o ser humano apenas ousou delimitar com muros de pedra para lá colocar gado a pastar. Este lugar, cujo topónimo se deve à presença de cinco antas, sobressai pelo seu estado silvestre.

De carro, esta paisagem aparece inóspita e os escassos quatro quilómetros que se percorrem até ao final do trilho em apenas dez minutos podem não chegar para vincar em nós a memória da paisagem. Por isso, decidimos parar o carro e seguir a pé, de modo a reavaliar a relação que queremos estabelecer com este lugar.

Ao caminharmos, recorrendo ao meio de transporte que é nosso desde sempre, aproximamo-nos da nossa condição primitiva na paisagem, que era de maior intimidade, de imersão, mas também de dificuldade.

Com o corpo a servir de tela sensorial, sentimos a terra e o cascalho por baixo dos sapatos, registamos melhor a magnitude das lajes, algumas que o caminho não conseguiu contornar, sentimos o calor com maior intensidade. A cada esparsa sombra de carvalhos e sobreiros, paramos com a desculpa de ter de apreciar um qualquer pormenor estético.

Atravessar a paisagem a pé permite esta relação mais espontânea e imersiva, impossível de alcançar com outro recurso. Pode-se levar esta vantagem ainda mais longe, saltando do caminho, deixando-se desencaminhar — o que na verdade não é ficar sem um caminho, é seguir por outro, acolhendo o imprevisto. Foi o que acabou por nos acontecer.

Afinal, esta paisagem áspera acaba por ser muito sedutora. As lajes e os penedos quase perpétuos convidam a ser experimentados em pé de igualdade e qual a melhor forma de o fazer senão com o corpo?

Silvestre

 

Nesta região rural de Castelo de Vide, a natureza dá provas de resiliência. As giestas e os carvalhos espontâneos sobrevivem à dureza dos solos e do clima.

Esta é também uma paisagem insubmissa que não se deixou domar pelo ser humano, mantendo-se provavelmente pouco modificada desde a sua origem, uma condição que a torna uma das poucas paisagens silvestres que ainda podemos apreciar.

Num eterno esforço para que a natureza lhe possa ser útil, a transformação que o ser humano aqui conseguiu fazer restringe-se à plantação casual de sobreiros, à abertura de clareiras entre carvalhos e à construção de muros para pastagem.