Sistema

 

Evoramonte interrompe a planície. O seu relevo surge inesperado, como se a pedra tivesse vindo à superfície respirar. O monte eleva-se até aos 479 metros de altitude, permitindo observar a paisagem como se a sobrevoássemos. Algures a sul, quase imperceptível, está a linha que separa as bacias hidrográficas do Tejo e Guadiana. Os dois grandes rios tocam-se aqui, relembrando que estas são terras de além-tejo.

Das muralhas do castelo conseguimos percorrer toda a linha do horizonte e em momento algum avistamos o fim da planície. Os campos vão clareando em tons azulados, até tocarem o céu. A esta distância, ao sobreiro e à oliveira dá-se o nome de montado e de olival. Alternam-se na paisagem em forma de manchas e linhas que adquirem um sentido abstrato. Todos pertencem a uma só paisagem.

Nesta escala é mais fácil entender a paisagem como um sistema, em que cada elemento faz parte de um todo. Os caminhos, os pomares, as cumeeiras, as linhas de água, as matas e as clareiras ganham um sentido de conjunto e de interdependência, em que cada um justifica a pertinência do outro.

Se daqui continuássemos a subir descobriríamos novas relações neste sistema, entre a planície e as serras, entre o atlântico e o mediterrâneo, até, a dada altura, ser possível ver todo o contorno do planeta e compreender como a este sistema damos o nome de Terra.

Velocidade

 

O tempo urge. A vida é curta. Limitado pela sua condição de ser vivo, o ser humano, como todos os outros seres, nasce, vive e morre. A ciência e a nossa vontade de uma vida eterna já quase triplicaram o tempo médio de vida, mas ainda assim é pouco. Não podendo viver mais tempo, optámos por viver mais em menos tempo. Acelerámos a vida. Queremos viver duas vidas no tempo de uma, e com esta sede de velocidade acelerámos também a paisagem. Árvores de crescimento lento são substituídas por espécies exóticas de crescimento rápido, os pomares tradicionais evoluem para novos modelos super-intensivos de árvores-arbusto, regadas e adubadas em permanência que, ao fim de sete anos, já exaustas, são substituídas por uma nova geração. Tudo é mecanizado, simplificado, uniformizado. As produções triplicam, mas ainda assim é pouco. O tempo urge.

Indiferentes a esta pressa, as árvores de Evoramonte vivem no tempo certo. Cada uma ao ritmo da sua natureza. Perto da estrada, que dá acesso ao moinho da Cova Funda, avistamos um conjunto de oliveiras que partilham a terra com um grande sobreiro. As rugas das oliveiras não conseguem esconder a idade. Há muito que ali estão e quem sabe se não terão assistido à construção do castelo. Com o tempo, o seu tronco ganhou textura, formou covas e buracos, que agora são abrigo de líquenes, musgos, insetos, sapos, aves, morcegos e outros pequenos mamíferos. A sua sombra e as suas folhas, que lentamente vão caindo, ajudam à criação de novo solo, sustento de milhões de minúsculos seres vivos que também habitam este lugar. Estas árvores não são só produtoras de azeitona, também produzem biodiversidade.

Os ramos de uma das oliveiras misturam-se com os do sobreiro, sugerindo um certo sentido de cumplicidade.

Não há dúvida de que há muito que estas árvores se conhecem.

O sobreiro, apesar do seu porte monumental, será bem mais novo, terá pouco mais de cem anos. Durante esse tempo já terá sido descortiçado uma dezena de vezes e pacientemente, a cada nove anos, volta a vestir-se de cortiça. Ao contrário das oliveiras, no final de cada ciclo, a sua casca vai-se tornando mais lisa, como se o tempo corresse em sentido contrário. Talvez o segredo da longevidade esteja aqui, na vida paciente de um sobreiro que, com os ramos, abraça uma velha amiga oliveira.