Casulo

 

A caminho das Mouriscas, vislumbram-se as colinas do vale do rio Tejo revestidas por manchas de vegetação, interrompidas pelo casario contínuo. Da construção destacam-se as colunas fumegantes da central termoelétrica do Pego que contrasta com a história que esta paisagem nos vai narrar.

No lugar de Cascalhos, desenha-se a silhueta de uma árvore bem proporcionada, cujos membros se alçam em direção ao céu. Faz cerca de 3350 anos que um estalido a fez brotar da terra. Hoje vemos um vetusto tronco, tão cavado pelo tempo que até se parece com um casulo. A pele gretada que o reveste e o interior irregular fazem adivinhar a textura venosa que o liga à terra, através de raízes aprumadas.

À vez, entramos no interior da cavidade e vestimos a pele engelhada desta oliveira anciã. A estrutura interna ramificada dos canais ocos, feita de saliências e nódulos, confere plasticidade às deformações da árvore.

No interior da casca, neste lugar íntimo, partimos do seu tempo longo para registar a paisagem presente. No zénite, rasga-se uma clarabóia, mostrando um céu filtrado através da ramagem de folhas esguias.

Se nos afastarmos da afortunada árvore, notamos que as suas largas paredes de madeira resultam do encosto de dois troncos amparados. Da fusão das suas madeiras robustas resulta a escultura viva que continua a ser a oliveira do Mouchão, em Mouriscas.

Civilização

 

Sendo a oliveira originária de um vasto território compreendido entre o litoral este do Mediterrâneo e o sudoeste do Mar Cáspio, consta que foi introduzida na Península Ibérica durante a presença fenícia, entre 1500 e 300 a.C. Todavia, em Portugal, a olivicultura só mais tarde é impulsionada pelos visigodos, entre os séculos V e VIII.

A oliveira e o azeite (de az-zait, o vocábulo árabe utilizado para referir o sumo da azeitona) estão intimamente ligados aos povos mediterrânicos e associados à sua alimentação, à medicina, arte, religião e até iluminação. Consta que a partir da combustão deste valioso óleo, era possível iluminar milhares de povoados. Fenícios, Gregos, Romanos e Árabes veneravam esta árvore resiliente e de elevada simbologia.

Testemunhos vivos do desenvolvimento rural das nossas planícies, os olivais deixar de ser intocados. A sua grande maioria foi transformada em oliviculturas. Pelo facto de ser uma espécie muito resistente, também tem sido submetida a podas escultóricas, tranformando-a em bonsais ou estatuetas de rotundas, pelo país fora.

Recentemente, assiste-se ao transplante destas árvores, que são exportadas para outras paisagens, ainda de clima mediterrânico, porém ignorando-se todo o trabalho biológico que foi desenvolvido desde o momento da sua génese. Em causa está um património natural incalculável, em que a biodiversidade da terra que as susteve também é colocada em risco. A este ato de violentação do solo e da árvore têm escapado as oliveiras que são classificadas alvo de interesse público ou monumento nacional.