Paisagens comestíveis

 

Olhamos em redor. Tudo o que vemos é uma herdade rodeada por um vasto manto verde que toca no horizonte e separa a terra do céu.

À medida que nos damos conta da disposição do arvoredo, vamos somando trajetos que não saberíamos repetir. O desenho do bosque é homogéneo e estende-se na continuidade da planície.

Os sobreiros e azinheiras dançam delicadamente. Sabemos que os troncos de cortiça se contorcem, sugerindo movimentos de uma dança num tempo mais lento que o da actividade humana lenta. Este sarau persuasivo é uma afirmação da natureza: frente a frente, somos lembrados de que somos parte integrante deste sistema vivo.

Imersos na vegetação, vamos descobrindo outros elementos que não veríamos se observássemos a paisagem de longe. Na ondulação da planície distinguem-se manchas de porcos pretos, de ovelhas e cabras, apiários que produzem o mel da herdade e numerosas famílias de cogumelos que se propagam sob as copas dos sobreiros.

Quando a floresta de planície é transformada em pomar e a ela se associam as atividades agrícola e pecuária, é criada uma paisagem multifuncional. A intervenção humana sobre a natureza pode representar uma modificação saudável, se a planície permitir múltiplos usos para a obtenção de recursos e se forem cultivadas espécies diversificadas. "Não vamos colocar todos os ovos no mesmo cesto", frisa Alfredo Sendim, mentor do agroecossistema que ali se pratica.

Quando as culturas são uniformizadas — como é o caso dos milharais intensivos etiquetados com um código genético modificado, que cobrem parte do território nacional — é mais difícil responder aos desafios impostos pelas constantes variações climatéricas e, consequentemente, fazer frente aos fogos florestais, às pragas e às doenças. Hélder Maltez, produtor da herdade, explica -nos com um sorriso, que o homem deve adotar uma postura interventiva e cooperativa para com a natureza, no sentido de potenciar a eficiência dos seus processos naturais e a obtenção sustentável dos seus recursos.

Percorrendo as complacentes hortas que circundam os edifícios da quinta, apercebemo-nos da diversidade de plantas comestíveis ao longo de corredores hortícolas, de folhagens de cores e recortes variados.

Na herdade, se é outono, podemos reparar na robustez das azeitonas maduras, recolher bolotas doces, aprender a identificar os cogumelos característicos do montado e deixar-nos encantar pelas cores vibrantes das abóboras, tão representativas da estação. A sazonalidade é outra questão crucial neste paradigma ecológico. Ao consumirmos fruta da época, estamos a respeitar o seu tempo de produção. Se comermos um tomate fora de época, significa que cresceu a um ritmo artificial numa paisagem de estufas ou que se deslocou de camião por muitos quilómetros. Preferir alimentos sazonais e originários da região, garante, assim, a redução significativa da nossa pegada ecológica, bem como a frescura dos próprios alimentos.

Na herdade, podemos observar o ciclo completo de um modelo ético de consumo para o futuro: desde a produção à recolha, à transformação e à distribuição de alimentos biológicos. Uma visita às agroindústrias da herdade constitui uma verdadeira aula de sustentabilidade do consumo. A sensibilização que a herdade tem desenvolvido no âmbito do extrato comestível da paisagem tem sido um contributo de valor inestimável para a literacia alimentar.

Não sobram dúvidas de que estas paisagens comestíveis são fruto da harmonia entre quem as cultiva e a terra que se deixa cultivar.

Cooperação

 

Neste tempo, em que as cidades continuam em expansão, sobrepondo-se às áreas agrícolas, e a população mundial caminha para os nove mil milhões de habitantes, perguntamo-nos de que forma irão as paisagens acompanhar a necessidade crescente de produção e distribuição de alimentos.

Na Herdade do Freixo do Meio pratica-se um modelo de resposta para o futuro das paisagens — o nosso futuro — baseado numa plataforma comunitária entre produtores e consumidores de uma dada região, que aproxima de novo o campo e a cidade, em modo de cooperação.

Da mesma forma que a oliveira milenar da herdade não existe isolada, pois coopera com sobreiros, azinheiras, arbustos e fungos próximos através da partilha de nutrientes, também nós partilhamos um espaço comum em que a todos cabe igual cuidado. Cuidar desse bem comum implica a repartição de responsabilidades e a consciência sobre o impacto provocado pelas nossas escolhas individuais e coletivas na Terra e nos seus recursos. Por isso, na Cooperativa dos Usuários da Herdade do Freixo do Meio (pessoas que usufruem deste espaço comum) os produtores e consumidores têm o estatuto de coprodutores, num compromisso mútuo de sustentabilidade.

Desde 2015, este modelo de proximidade entre quem produz e quem consome constitui um espaço de partilha, inclusão, desenvolvimento pessoal, profissional e de construção de uma comunidade.

Saber o que se come, de onde vem e quem o produz poderá ser o mote deste sistema replicável noutras paisagens. É importante reconhecer que temos de deixar de ser consumidores anónimos. Se queremos conhecer os rostos das pessoas que conhecem a terra e produzem o que nos chega através do cabaz de colheitas e partilhar desafios comuns para o futuro, então a herdade é o lugar certo.