Rio ou Ribeira?

 

Sabemos que um rio é maior que um ribeiro e que um ribeiro é maior que um riacho, mas não sabemos exatamente em que momento o ribeiro passa a ser rio ou deixa de ser regato. Não terá sido tarefa fácil classificar todas as linhas de água do país. Como, quando e quem o terá feito? Existirá um instrumento que permita medir a importância de um determinado curso de água? O que deve ser medido? O comprimento da linha de água, a distância entre as margens, a profundidade do leito ou a velocidade das águas? Serão as águas de um rio mais rápidas ou mais lentas que as de um riacho? E em que difere um ribeiro de uma ribeira?

Poderíamos deambular sem fim em torno da ordem hídrica, mas, em muitos casos, as classificações não obedecem a critérios precisos e resultarão antes de uma experiência mais empírica e da história de cada lugar.

A ribeira de Alpreade nasce no topo da Serra da Gardunha e segue para Este. A poucos metros da sua nascente, correndo para Sul, nasce uma ribeira irmã com o nome de ribeira do Vale do Cepo (águas de uma mesma nuvem podem ter sortes diferentes e seguir por diferentes ribeiras).

Não muito longe, entre Louriçal do Campo e Casal da Serra, a ribeira do Vale do Cepo alarga e passa a rio Ocreza. Alpreade não tem a mesma sorte pois, apesar de também alargar, mantém o estatuto de ribeira. Batizada com o antigo nome da aldeia de Castelo Novo (Alpreada), mantém a sua toponímia, não perdendo o sentido de origem, de “ribeira que vem de Alpreada”.

Mas será quando Alpreade se encontra com o rio Pônsul, entre Ladoeiro e Mata, que percebemos que, tal como acontece com os homens, também os cursos de água têm sorte incerta: nesse encontro, rio e ribeira são praticamente iguais, não sendo fácil determinar qual dos dois ali chegou primeiro, ou porque chega um com nome de rio e a outra com nome de ribeira. Fosse a ribeira um rio, e o confronto poderia ter desfecho diferente, partindo daí até ao Tejo um rio chamado Alpreade.

Às águas de Alpreade resta-lhes passarem a Pônsul, para depois passarem a Tejo e assim seguirem até Lisboa. É claro que pelo caminho se cruzam com o Ocreza, onde podem rever as águas da ribeira do Vale do Cepo, suas gémeas da Gardunha.

Corredores da natureza

 

Com a sucessiva construção de barragens, iniciada nos anos 40 do século XX, perdemos a memória dos grandes rios portugueses a correr livremente. Longe vão os tempos em que se conseguia atravessar o Tejo a vau ou em que as localidades ribeirinhas estavam sujeitas aos ciclos das cheias e ao temperamento da chuva. Os grandes rios são hoje uma sucessão de albufeiras que acalmam as águas e afastam as margens, tornando- -se necessário recorrer aos últimos rios sem barragens ou a algumas ribeiras de maior porte para saber o que é um curso de água selvagem.

Desde a nascente na Gardunha até ao encontro com o rio Pônsul, a ribeira de Alpreade atravessa uma região muito pouco povoada, mantendo por isso, em grande parte do percurso, o seu carácter natural, com galerias ripícolas bem conservadas e de alto valor ecológico. Estas galerias são corredores vegetais, formadas pelas espécies vegetais ribeirinhas, que acompanham o rio ao longo da zona de transição entre os ecossistemas aquático e terrestre. Esta vegetação ajuda a estabilizar as margens e a reduzir a velocidade da corrente em tempo de cheias, proporcionando também abrigo para a fauna terrestre e aquática.

Por serem das poucas zonas de paisagem livre de vedações e barreiras construídas pelo homem, são, por excelência, linhas de circulação de animais silvestres, funcionando como autênticos corredores de natureza.